REVIEW: Bruno & Marrone / Chitãozinho & Xororó – Clássico

Em tempos de festivais e do monopólio dos grandes escritórios, a geração anos 90 viu sua hegemonia ser superada pouco a pouco ao longo dos últimos 10 anos. A nova realidade sertaneja tornou os shows dos veteranos uma opção menos comercial nas grandes feiras e eventos. Não que eles deixassem de ser realizados. Mas, ao contrário de outras épocas, tais shows passaram a ser vistos como algo direcionado a um público mais selecionado e não ao grande público, como outrora. Depois de alguns anos de reclamações que acabaram não resolvendo em nada, é louvável como nos últimos anos esses veteranos começaram entender que o mercado não voltaria a ser como era antes e buscar formas de também tirar um melhor proveito dele, ainda que não tanto quanto antes.

De 2015 pra cá, as atitudes dos veteranos para preservar a sua fatia da receita do mercado sertanejo começaram a surtir efeitos mais imediatos. O projeto “Cabaré”, que uniu Leonardo a Eduardo Costa em um show lotado de piadas sujas e de clássicos sertanejos, mostrou a força de um nicho interessantíssimo e até então inexplorado: o dos shows em conjunto. Remetendo à época dos AMIGOS, que representou o auge da safra sertaneja dos anos 90, esse formato de show mostrou-se uma ideia e tanto. Não à toa, diversos nomes de sucesso dos anos 90 passaram a protagonizar projetos dessa natureza, seja em conjunto com seus colegas da mesma época, seja com duplas e artistas de gerações mais recentes.

E enquanto o “Cabaré” já parte para sua segunda edição em DVD, 2016 assistiu à chegada do registro de outra celebrada união da música sertaneja em prol desse formato de show: o projeto “Clássico”, que une Chitãozinho & Xororó e Bruno & Marrone. Esboçado anos atrás em uma das edições da festa de Barretos, o projeto foi oficializado pelas duas duplas no ano passado, mas ainda sem o selo “Clássico”, que só passou a existir na ocasião da gravação do DVD, realizada este ano.

Diferente do “Cabaré”, no entanto, a proposta do “Clássico” é unir as duas duplas num formato que consiste meramente em misturar os dois shows, alternando as duas duplas, com os próprios repertórios e alguns momentos em que elas dividem o palco, cantando sucessos uma da outra. O nome, aliás, pode ser interpretado de duas formas diferentes: na primeira, como o fato de ser um show de fato histórico, já que une duas das principais duplas da nossa história; na segunda, como no linguajar futebolístico, representando o duelo de dois grandes times. O grandioso cenário, remetendo a ruínas antigas de castelos ou palácios ao estilo romano, ajuda a valorizar ainda mais o nome escolhido.

“Duelo”, aliás, acaba sendo uma respeitosa e importante descrição do que vem a ser o projeto “Clássico”. Afinal de contas, temos ali dois dos maiores intérpretes da nossa música sertaneja, reconhecidos por toda a classe: Xororó e Bruno. Durante todo o DVD, podemos ver momentos de saudável “disputa” entre ambos. Não que um queira mostrar ser melhor que o outro, mas ambos fizeram questão de incluir no repertório canções que trouxessem o melhor de cada um deles.

Houve o cuidado, também, de resgatar canções que já não faziam parte de nenhum dos dois shows, até mesmo para não passar a impressão de ser este um mero registro dos shows de estrada. Do repertório de Chitãozinho & Xororó, por exemplo, foram resgatadas canções como “Amor a três”, “Pago Dobrado” e “Faz um ano”. Já entre os clássicos de Bruno & Marrone, só o resgate de “Homem do meu tempo” já vale o projeto inteiro.

A diferença de identidade das duas duplas também é preservada no projeto, mas nota-se, pelo menos no que diz respeito a Bruno & Marrone, uma atenção bem maior às músicas mais sérias da dupla, exceto por “Isso cê num conta”, até por ser essa a mais recente de trabalho da dupla. Fora ela, a dupla não trouxe para este disco nenhuma canção mais extrovertida do repertório. Em contrapartida, trouxe de volta alguns importantíssimos hits da carreira, como “Fruto Especial”, “Vida Vazia”, “Amor de Carnaval”, tocadas com a participação do Marco Abreu, responsável por boa parte dos arranjos de sucesso da dupla.

Sobre a preservação da identidade de ambas as duplas, uma das três canções inéditas do projeto não podia demonstrar isso de forma mais didática. Enquanto “Palavras são palavras”, do Xororó, e “Eu vou te esquecer”, do Jairo Góes e do Marcelo Martins (da dupla João Lucas & Marcelo), intencionam apenas exaltar a força das interpretações, “Você me trocou”, do Chrystian Ribeiro e do Rafael Torres, traz cada trecho com a cara de cada dupla. Enquanto nas partes cantadas por Chitãozinho & Xororó a levada é mais de balada e romântica, com Bruno & Marrone a música vira uma vaneira estilizada.

Além das três inéditas, as duplas dividem os vocais na abertura, com “Página de Amigos”, no encerramento, com “Força Estranha”, em alguns clássicos tradicionais incluídos no repertório, como “Ainda Ontem Chorei de Saudade”, “Boite Azul” e “Estrada da Vida”, e em grandes canções da carreira de Chitãozinho & Xororó, como as já citadas “Pago Dobrado”, “Amor a três”, “Faz um ano”, “Vá pro inferno com seu amor”, “Galopeira” e “Nascemos pra Cantar” no pré-encerramento.

Senti falta – e inclusive questionei as duas duplas sobre isso durante a coletiva de lançamento do projeto – de canções da dupla Bruno & Marrone nas vozes de Chitãozinho & Xororó, afinal seria no mínimo incrível ouvir o Xororó cantando “Fruto Especial”, “Favo de Mel”, ou qualquer outra dessa fase da dupla goiana. A resposta que recebi foi que as duplas deram preferência, nos duetos, a clássicos que já haviam sido regravados por Bruno & Marrone, mas que provavelmente deve rolar algo do tipo numa provável segunda edição. Na verdade, a resposta não me convenceu tanto assim. Afinal, se a intenção do projeto era celebrar a união de duas grandes duplas, era de se esperar que Bruno & Marrone fossem tão protagonistas quanto Chitãozinho & Xororó. O que foi visto, no entanto, foi uma demonstração gigantesca de humildade por parte dos dois goianos, já que eles se comportaram durante praticamente todo o DVD como alunos tendo a honra de acompanhar os mestres. Não deixa de ser totalmente válido, é claro.

Mesmo com toda a produção envolvida, o grandioso cenário, as belíssimas imagens e tudo mais, a mera presença das bandas das duas duplas já deixa claro que se trata de um projeto de show duplo, com a intenção de celebrar o melhor das duas carreiras e dar ao público a oportunidade de ver dois shows de uma só vez. Mesmo assinando a direção musical, a marca do produtor Dudu Borges só é sentida com mais evidência nas canções inéditas, já que todas as outras tiveram seus arranjos originais quase que totalmente preservados. Ainda assim, é sem dúvida um projeto emocionante e histórico para qualquer fã de música sertaneja. Resta torcer para que, num eventual “Clássico 2”, as duplas dividam o palco e os vocais por mais do que apenas 4 ou 5 canções inteiras e 2 ou 3 pot-pourris, com ambos os repertórios de sucessos sendo equilibrada e devidamente celebrados.