REVIEW: Leonardo / Eduardo Costa – Cabaré Night Club

Quando escrevi o review sobre a primeira edição do Cabaré, um dos pontos mais polêmicos da minha resenha foi sobre o repertório. Na época, argumentei que a maioria das músicas já haviam sido demasiadamente regravadas e, portanto, já soavam como excessivamente repetitivas. Além disso, o público, formado apenas de convidados, também não contribuiu muito para o clima do DVD na época, já que aquele não era o público sertanejo tradicional, consciente da história por trás da temática daquele DVD e de tudo o que ela representava, afinal, além do circo e do boteco, a “zona” também sempre foi um dos grandes palcos da história do nosso segmento.

Em contrapartida, aquele projeto tinha o contraponto de trazer Leonardo e Eduardo Costa da forma mais à vontade possível, falando besteira e palavrões o DVD inteiro, contando piadas e se divertindo, acima de tudo. O resultado, portanto, foi o melhor possível quando aquele show do DVD começou enfim a ser levado para a estrada. Desde o seu lançamento, o projeto “Cabaré” tem sido um dos mais rentáveis do segmento sertanejo. A nova edição do projeto, intitulada “Cabaré Night Club”, trata, portanto, de manter em evidência os principais pontos de acerto do primeiro DVD e corrigir os prováveis pontos controversos, alguns de forma mais evidente e outros de forma um pouco mais sutil.

Para começar, o repertório. Se os principais e mais repetitivos chavões já haviam sido incluídos no disco anterior, desta vez foi possível montar um repertório quase que apenas com canções do lado B ou, pelo menos, canções pouco regravadas. Tirando “Meu Ex-Amor” e “Telefone Mudo”, a música mais regravada de todos os tempos, o que até rendeu uma brincadeira do Eduardo Costa durante a intro, o disco traz clássicos que definitivamente mereciam ser resgatados mais vezes em projetos sertanejos, quem quer que estivesse cantando. “Duas Camisas”, “Não quero piedade”, “Tranque a porta e me beija”, “Passe Livre”, “Só mais uma vez”, “Vá com Deus” e “Pedaço de Minha Vida” são todas canções pouco conhecidas do novo público sertanejo ao mesmo tempo em que homenageiam diversos grandes artistas (na ordem: Milionário & José Rico, Trio Parada Dura, Chico Rey & Paraná, Teodoro & Sampaio, Gilberto & Gilmar, Roberta Miranda e Matogrosso & Mathias) com o melhor de cada repertório. Só do Trio Parada Dura foram cinco clássicos regravados e mais “Prazer por prazer”, composição do Eduardo Costa que fez parte do DVD “O Trio do Brasil – 40 anos”, resgatada no “Cabaré Night Club” como provável música de trabalho. Isso sem citar as outras músicas do disco, tão bem escolhidas quanto.

Na ocasião do primeiro “Cabaré”, a desculpa para a escolha de músicas mais conhecidas era a dificuldade do Leonardo em decorar letras. Desta vez, essa dificuldade rendeu até um momento engraçado no DVD. Durante a intro de “Duas Camisas”, Leonardo bem que tentou passar a bola para que o Eduardo Costa começasse cantando, mas ele se recusou, insistindo para que o Léo começasse. Os aplausos e as gargalhadas do público quando o Leonardo enfim conseguiu começar a música dão uma ideia de quantas vezes ele deve ter repetido a entrada durante a gravação.

Aliás, o termo “engraçado” sem dúvida é um dos que melhor se aplica a este DVD. Se no primeiro disco da série, as piadas e palavrões ainda pareciam arriscados, já que não dava pra saber como o público reagiria, desta vez já se tinha consciência do que o disco traria. Por isso, o que se vê do começo ao fim do DVD é uma enxurrada de piadas de gosto duvidoso, palavrões, expressões politicamente incorretas, insinuações e expressões de cunho sexual, sem qualquer tipo de censura, e todo tipo de impropérios capazes de deixar de pé os cabelos da nuca até de quem nem se considera conservador. Em tempos onde a problematização de tudo é o motor que rege quase todas as discussões, é provável que esse DVD cause debates intensos pelo próximo ano inteiro entre os fãs de música sertaneja e as entidades religiosas, feministas e representantes das minorias, com acusações de misoginia, racismo, homofobia, etc, etc, etc.

Apesar do cenário do primeiro DVD, com inspiração no Moulin Rouge, trazer um excesso de sofisticação à proposta inusitada de gravar um DVD “na zona”, a ideia acabou se mostrando válida. Tanto que foi mantida, quase que à risca, nesta segunda edição. O cenário ganhou apenas uma proporção um pouco maior, mas o letreiro foi mantido, assim como o balé, que sem dúvida alguma é uma parte essencial do projeto. O DVD também foi enfim levado ao público. Gravado durante 3 dias no Espaço das Américas, em São Paulo, o projeto pôde contar com uma participação maior dos fãs, o que obviamente trouxe mais energia à gravação e deixou os protagonistas muito mais à vontade.

Num dos momentos mais marcantes do DVD, a dupla trouxe a única participação especial para cantar também uma regravação, mas uma do axé, só que uma música que tem tudo a ver com a proposta. Totalmente imersa na ideia do projeto, Ivete Sangalo cantou “Mal Acostumado”, hit do Araketu.

Desta vez, também, é possível notar um revezamento maior entre o Leonardo e o Eduardo Costa. No primeiro DVD, o Eduardo geralmente entrava cantando e caía para a segunda voz nos refrões, quando o Leonardo assumia a primeira. Desta vez, ambos fazem primeira voz numa quantidade de tempo similar e caem para a segunda quando o outro canta o refrão ou qualquer outra parte que peça esse complemento vocal.

Antes da gravação da segunda edição do “Cabaré” ser oficializada, houve quem imaginasse que ela reuniria basicamente canções inéditas. Inclusive, meses antes da gravação, os artistas soltaram uma música inédita nas rádios. Não sei se foi um teste para saber o tipo de repertório que o público queria ouvir no novo DVD, mas graças a Deus a música “Corre lá pro Cabaré”, horrorosa e um desvio total da proposta do projeto, passou longe da gravação. Seria uma mancha desnecessária em um disco do mais alto nível.

Ao fim do DVD, antes da despedida, Eduardo Costa ressalta o fato de ser este, provavelmente, um projeto longevo. Não bastasse a qualidade dos dois discos lançados, que realmente celebram a história da nossa música sertaneja da forma mais digna possível, o sucesso comercial que o “Cabaré” tem mostrado ser desde o seu lançamento torna burra qualquer ideia que envolva não dar continuidade a ele, mesmo que isso signifique aos artistas deixar a própria agenda individual um pouco de lado. Afinal, por mais clichê que seja dizer isso, em time que está ganhando não se mexe. E o “Cabaré” não só vem ganhando desde o começo, mas também metendo goleada.